A lógica do desenvolvimento sustentável empresarial

A VEZ E A LÓGICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO MUNICÍPIO DE  FRANCA-SP  E REGIÃO : A INTEGRAÇÃO  SÓCIO-AMBIENTAL NA MICROECONOMIA DO BAIRRO ATRAVÉS DE INCUBADORA DE EMPRESAS COMUNITÁRIAS  E TECNOLÓGICAS.

                                                                   

Dissertação apresentada à Faculdade de  Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Franca-SP ao  Programa   de Mestrado do Curso de Pós – Graduação Stricto sensu (Área de  Concentração: Gestão Empresarial), para obtenção do título de Mestre.Orientador: Prof. Dr. José Walter Canôas da Unesp/ Franca.

 

FRANCA
2000

 

Ribeiro, Wagner Deocleciano

R 372v  – A vez e a lógica do desenvolvimento sustentável no Município de  Franca – SP e região: a integração sócio-ambiental na microeconomia do bairro através de incubadora de empresas comunitárias e tecnológicas.  Franca; 2000. 99 p. Orientador: Prof. Dr. José Walter Canôas Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Franca – FACEF, Programa de Mestrado do Curso de Pós-Graduação Lato sensu (Área de Concentração: Gestão Empresarial)c)       Administração de empresa – Incubadora de Empresas  2.  Desenvolvimento  Sustentável  3. Microeconomia  4. Integração Sócio Ambiental – Franca  5. Empresa – Multidisciplinaridade. I.T. 6.  Gestão Ambiental  7 .  Multi-institucionalidade. CDD  658. 408

 

DADOS CURRICULARES DE WAGNER DEOCLECIANO RIBEIRO 

NASCIMENTO:       30.12.61- FRANCA/SP

FILIAÇÃO:               José Ramon Ribeiro

Lília Sandoval Ribeiro

1981/1986                              Curso de Graduação Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro/Uberaba

1986/1989                              Curso de Pós-Graduação em Homeopatia, nível de Especialização, no Instituto Homeopático François Lamasson de Ribeirão Preto.

 1988/1989                              Residência em Clínica Médica, nível de Especialização, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba/MG.

 1989/1990                              Residência em Cirurgia Pediátrica como Residente Estrangeiro nos Hospitais da Assitência Pública de Paris, bolsista do Colégio de Medicina.

 1991/1992                              Curso de Formação de Docentes e Pesquisadores em Homeopatia, nível de Especialização, bolsista da CAPES pela Universidade Federal de Uberlândia.

 1992/1994                              Residência em Cirurgia Pediátrica no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.

1996/1997                              Presidente da Assossiação Médica Homeopática do Estado de São Paulo e Organizador do IV Congresso Médico Homeopático Paulista.

 1992/1999                              Professor de Homeopatia do Instituto Homeopático François Lamasson de Ribeirão Preto.

 1997/2000                              Coordenador do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Franca

 

Dedico este trabalho ao Artesão da Liberdade, que com suas asas não se deixa abater diante do mecanicismo debulhado e desdentado  deste final de século.

À Luciana e Maria Carolina que são os motivos de minha luta.

À “BÊ”, bendita onde estiver…

À índia Bartira e João Ramalho, em nome de meus antepassados…

 

SUMÁRIO

 

 

RESUMO………………………………………………………………………………………………………….. 13
ABSTRACT………………………………………………………………………………………………………. 14
RESUMEN………………………………………………………………………………………………………… 15
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………………………. 16
CAPÍTULO I – ELEMENTOS CONSTITUINTES DO REFERENCIAL TEÓRICO….      18
1 A origem do estado: a sociedade dividida e o homem servil……………………………. 18
2 A interdisciplinaridade como forma de recompor o novo modelo de organização que privilegie a unidade e a organicidade do saber………………………………………… 35
3 Os marcos teóricos da sustentabilidade………………………………………………………… 42
3.1 Desenvolvimento Político-Econômico e o Conceito de Planejamento………………. 43
3.2 A economia política do desenvolvimento sustentável ………………………………….. 44
3.3 qualidade de vida e riscos ambientais………….…………………………………….. 46
3.4 Tecnologia e cidadania……………………………………………………………………. 48
CAPÍTULO II – A CONSOLIDAÇÃO DA LÓGICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE FRANCA-SP E REGIÃO: PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL E PARTICIPATIVO NA BUSCA DA MELHORA DA QUALIDADE DE VIDA DA POPULAÇÃO………………………………………………………… 50
1 A constituição, o meio ambiente, a educação ambiental e o desenvolvimento…. 52
2 O município de Franca e o meio ambiente………………………………………………….. 56
3 Programas voltados ao meio ambiente no município de Franca……………………… 60
CAPÍTULO III – EM BUSCA DE UM MODELO GERENCIAL QUE INTEGRE OS PARADIGMAS EMERGENTES NUMA NOVA ORGANIZAÇÃO: A EMPRESA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL………………………………………………. 65
1 Um estudo da gestão empresarial no modelo de desenvolvimento econômico a todo custo: As incubadoras de empresas do Nordeste Paulista e imediações…… 66
1.1 A pesquisa………………………………………………………………………………………………. 69
1.2 As incubadoras de empresas do Nordeste Paulista e imediações…………………….. 73
1.3 Análise conclusiva dos dados…………………………………………………………………….. 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………………………………….. 82
PERSPECTIVAS E SUGESTÕES……………………………………………………………………….. 89
BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………………………………….. 95
ANEXO 1 – FOTOGRAFIAS……………………………………………………………………………… 101
ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO……………………………………………………………………………. 116
       

 

 

 

“A sociedade que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas para conservar a existência, mas também para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da natureza, como todas as outras que são seus elementos. Ora, a natureza de  cada coisa é precisamente seu fim. Assim quando um ser é perfeito, de qualquer espécie que ele seja – homem, cavalo, família – dizemos que ele está na natureza.”    

      Aristóteles …

RESUMO

 

 

A lógica do desenvolvimento sustentável deve permear toda e qualquer organização que se formar neste início de século, para que se possa garantir a sobrevivência da humanidade, para depois garantir sua sustentabilidade enquanto organização de integração sócio-ambiental. Não se pode mais admitir a força cega do mercado. Numa microeconomia sustentável embasada no ecossistema vital do bairro, urge a reintegração de todas as forças sociais para que juntas garantam a fluidez da vida neste bioma humano. Este  deverá, também, reverter sua lógica de desenvolvimento a todo custo para uma superação dos paradigmas homem\natureza e efetivar sua interpenetração. O homem deve fecundar com seu intelecto devoluto a própria natura mãe, bem como a natureza deve permear toda e qualquer lógica de desenvolvimento, que se dará com o fermento da boa vontade e a fraternidade construída numa trama de relações que se entrecruzam e interdependem como uma teia  que sustenta a teia da vida. Assim,  a criação de um modelo referencial de incubadoras de empresas que já nasçam filosoficamente interrelacionadas e auto-sustentadas e sustentadoras de novos sistemas que se vitalizem e  revitalizem  numa harmônica interconexão, que dê forma ao inédito ciclo vital de um novo sistema que não entrópico, mas metabólico de reações vitais sociais, sustentadas na microeconomia tecidual do bairro.Para isto, propõe-se um modelo estratégico de políticas de gestão de educação ambiental que, a partir do bairro, possa ser consolidado, como lógica de desenvolvimento sustentável de uma integração multinstitucional e multiprofissional nos diversos campos do conhecimento. E a criação de empresas comunitárias no bairro, na busca da integração sócio-ambiental sustentável para o Município de Franca e da Bacia Hidrográfica do Rio Sapucaí-Mirim\Grande garantirá a tecnologia  atualizada e ecologicamente integrada para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida. 

 

Palavras-chave: Incubadoras de empresas; desenvolvimento sustentável; educação ambiental; multidisciplinaridade; qualidade de vida.

 ABSTRACT

 The  logic of a sustainable development must be in  all and every group formed at the beginning of this century, in order to guarantee the humanity survival, and then its support as an organization of social and environmental integration. An unreasoning market cannot be admitted in a balanced micro-economy which is based on the district vital ecosystem. A reintegration of all strengths is urged so that they guarantee the fluidity of life in this human biome. Moreover, it should use its development logic to overcome paradigms of human being/nature and accomplish its inter-penetration. Human being must stimulate the nature with his intellect and the nature must be in all and every logic of development, that will happen witn the good will yeast, and fraternity is built into the web of relationships which crosses and depends on each other as a net that sustais the web of life. So, the creation of a model of incubation companies that starts already philosophically  interrelated and which can maintain themselves and sustain new systems that energize and re-energize themselves in a harmonious inter-connection way, giving form to the new vital cycle of a non-entropic system, but which metabolizes social reactions sustained by the district micro-economy. Therefore, it is proposed a strategic model of environmental education management thar can be consolidated as the logic of a sustainable development of a multi-institucional and multiprofessional integration in various knowledge fields. Also the  creation of community companies in the district, looking for a sustainable social-environmental integration for Franca and for the Rio Sapucaí-Mirim/Grande River Basin, guaranteeing an updated and ecologically integrated technology.

Key-words: incubation companies; sustainable development; environmental education multidisciplines.

RESUMEN 

Lógica del desarrollo sustentable debe permear toda cualquier organización que se formar en este inicio de siglo, para que se pueda garatizar la supervivencia de la humanidad, para depués garantizar su sutentabilidad en cuanto organización de integracion socioambiental. No se puede más admitir la fuerza ciega del mercado en uma microeconomia sustentable basada en el ecosistema vital del barrio. Urge en una reintegración de todas las fuerzas para que justas garanticen la fluidez de la vida en este bioma humano. Además, este deberá cambiar su lógica de desarrollo a todo coste para una superación de los paradigmas hombre / naturaleza y efectivar su interpenetración. El hombre debe fecundar con su intelecto devoluto a la propia madre, así como la naturaleza debe permear toda y cualquer lógica de desarrollo, que se dará con  la buena volutad y fraternidad, contruida en un cambio de relaciones que se entre cruzan e interdependen como un eje que sostiene la tela de la vida.    Así la creación de un momento referencial de incubadoras de empresas que ya nazcan filósoficamente interrelacionadas y autoestructuradas y mantenedoras de nuevos sistemas que se vitalicen y revitalicen en una armónia interconexión, que dé forma al inédito ciclo vital de un sistema que no entrópico, pero metabólico de reacciones vitales sociales mantenidas en la microeconomía tecidual del bairro. Para ello, se propone un modelo estratégico de políticas de gestión de educación ambiental que, a partir del bairro, pueda ser consolidada como lógica de desarrollo sostentable de una integración multiinstitucional y multiprofesional en los diversos campos del conocimiento. Y la creación de empresas comunitarias en el bairro, en la búsqueda de la integración socioambiental sustentable para la provincia de Franca / SP y, de la Cuenca Hidrográfica del Rio Sapucaí – Mirim/Grande que garantiza la tecnología siempre actualizada y ecológicamente integrada.

Palabras Claves: Incubadoras de empresas, desarrollo sustentable, educación ambiental y multidisciplinariedad.

CAPÍTULO I

ELEMENTOS CONSTITUINTES DO REFERENCIAL TEÓRICO 

1. A ORIGEM DO ESTADO: A SOCIEDADE DIVIDIDA E  O HOMEM SERVIL:

 A objetividade dos valores sociais, iniciada com o surgimento do Contrato Social de  ROSSEAU e consagrada após a Revolução Francesa com a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, corre um sério risco histórico de falência neste final de século.

Romper o paradigma posto entre o humanismo do século XVI e XVII, e o  neoliberalismo do final do século XX, pode ser um bom desafio para quem almeja uma  saída nas portas do século XXI, rumo a uma grande revolução nas organizações e nas  formas de gestões empresariais.

Para isto, necessário se faz uma avaliação mais profunda que integre o  humanismo e o liberalismo, numa nova lógica de relações sociais, que dêem forma às  futuras empresas e suas autogestões. Integrar  sempre valores humanos e naturais em uma filosofia de vida, ou “modus viventi” natural e livre. Segundo,  CLASTRES2,  ao analisar a pergunta de La Boétie, de “como é possível que a maioria obedeça a um só, que não somente o obedeça mas o sirva, não  somente o sirva, mas queira servi-lo?”;  afirma que ele descobre, ao deslizar para fora da  História, e precisamente, que a sociedade na qual o povo que serve ao  tirano  é histórica, que não é eterna e nem sempre existiu, que possui uma data de nascimento e que algo deva ter necessariamente se passado, para que os homens caiam da liberdade na servidão: “que mau encontro foi em que pôde desnaturar tanto o homem, o único nascido de verdade, para viver francamente, e fazê-lo perder a lembrança  de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?”

Este mau encontro na análise de CLASTRES, dividiu a sociedade nos que mandam e nos que obedecem, cujo produto final o “homem novo”, esse ser, difícil de nomear, desnaturado, instituiu na sociedade uma tal divisão que dela foi banida a liberdade, no entanto, consubstancial ao ser primeiro do Homem. E, continua ele, que ao perder a liberdade, o homem perde sua humanidade. Ser humano é ser livre; o homem é um ser para a liberdade. Este mau encontro,  realmente,  pode levar o homem a renunciar o seu ser e a lhe fazer desejar a  perpetuação dessa renúncia.

O sinal e a prova dessa perda da liberdade, no dizer de Boétie3, são constatados não só na resignação à submissão, mas com muito maior clareza no amor da  servidão. Resulta dessa divisão entre sociedade de liberdade e sociedade de servidão que toda  sociedade dividida é uma sociedade de servidão, é habitada por um mal absoluto, toda  relação de poder é opressiva, de vez que é, como antinatureza a negação da liberdade.

Diferentemente de ROSSEAU, LA BOÉTIE não diz que tal sociedade, talvez, nunca tenha existido, mesmo que os homens tenham perdido a lembrança dela, mesmo que ele, La Boétie, não alimente ilusões sobre a possibilidade de seu retorno. O que se  sabe é que, antes do mau encontro, esse era o modo de existência da sociedade.

Selvagens anteriores à civilização, povos  anteriores à escrita, sociedades pré-históricas, sociedades primitivas,  certamente nomeadas com  propriedade, sociedades primeiras por se desenvolverem na ignorância da divisão, primeiras por existirem antes  do fatal mau encontro. Objeto privilegiado, será exclusivo da etimologia das sociedades sem Estado.

A ausência de Estado, critério interno da antropologia, implica na afirmação

de  CLASTRES4 a não-divisão desse ser. De modo algum no  sentido de que  a  divisão  da  sociedade pré-existiria à instituição estatal, mas no sentido de que é o próprio Estado que  introduz a divisão, que é seu motor e fundamento. Sociedades primitivas ignoram a  desigualdade: nelas um homem não “vale” nem mais nem menos que um outro, não existe superior ou inferior. Em outros termos, ninguém pode mais que  quem quer que seja, ninguém é detentor do poder. A desigualdade ignorada pelas sociedades primitivas é aquela que divide os homens em detentores do poder e subjugados a ele, a que  divide o corpo social em dominantes  e dominados. É por isso que a chefia não poderia ser o indício de uma divisão da tribo: o chefe não manda porque ele não pode mais que cada membro da comunidade.

O Estado como divisão instituída da sociedade em um topo e uma base é o  acionamento efetivo da relação de poder. Deter este é exercê-lo: um poder que não  se exerce não é um  poder; deter é apenas uma aparência.

Mas para entendermos a condição humana que se deixa trair diante do poder,  necessário avaliar na visão de PIETRO UBALDI5, que ao dar um subtítulo ao volume “O Príncipe” de Maquiavel, de “Estudo da natureza animal do homem”, define o homem deste século que se ilude com a sociedade dividida: “Sendo ainda dominante esse tipo biológico é bom conhecê-lo e estudá-lo,” inútil, pois, iludir-se. O homem emerge da animalidade. Os primeiros graus do poder são dados pela força, pela imposição, pela  ferocidade. Os chefes de governo do tipo descrito por Maquiavel, descendem dos  domadores de feras. A posição que tem hoje o homem, a de rei do planeta, foi desesperadamente conquistada pela luta por todos os meios e vencida contra todas as  feras rivais. Foi através desse esforço bestial, horrendo para o homem civilizado e, no entanto, feito de coragem desesperada sob pena de extinção da raça em caso de derrota,  esforço diabólico, mas cheio de certa potência viril, do deserdado que sozinho desafia os elementos e as feras inimigas e as submete; foi através dessa tremenda fadiga que o decaído (decaído da sociedade sem divisão) enfrentou o caos, para levantá-los ao primeiro passo em direção ao primitivo estado de ordem (da sociedade sem divisão). Os  primeiros degraus da escala,

continua Pietro Ubaldi, estão imersos em lama e sangue.  Mas, ainda que esmagando, triturando e seduzindo os rebeldes à escravidão, conseguiu assim o homem,  com  mão  de

ferro, construir certa ordem, primeiro passo na  reorganização do caos para uma gradual organização do universo, fruto do esforço imenso de todos os seres, por intermédio do qual, reconstruído o edifício que eles mesmos fizeram ruir,  encontrarão Deus.”

MAQUIAVEL,  ressalta ainda UBALDI , diz que: “O chefe deve manter fidelidade enquanto lhe for útil, e  deixar de observá-la quando terminadas as razões que o fizeram prometer. Não seria  necessário isso se os homens fossem bons, mas sendo maus, da mesma forma que eles não mantiveram a fidelidade, assim  não deve o chefe mantê-la com ele.” Assim Maquiavel aconselha a astúcia, pela qual saiba o chefe com razões legítimas, coloria aquela não  observância dos pactos.” Eis como se comporta o inválido, conclui Pietro Ubaldi.  Sua miopia psíquica ou infelicidade fá-lo  acreditar que a traição, como a ferocidade sejam forças! Em outros termos, em sua ignorância das leis da vida, é levado a procurar o  poder preferindo descer aos planos biológicos inferiores (isto é, ao inferno), em vez de  subir aos planos superiores (ou seja, ao paraíso). O poder está no alto e não embaixo, e aí, apenas ilusão e dor. Por isso, encontra-se hoje a humanidade numa encruzilhada, conclui ele: ou  ela compreende que o problema da convivência, na forma menos dolorosa possível, só  pode ser resolvido aplicando o método do Evangelho, por mais que pareça utopia ou então continua indefinidamente o atual estado infernal.

Em vista desse estado de coisas, podemos, no dizer de Pietro Ubaldi , compreender qual seja a origem do poder e da riqueza. Em si mesmo, o poder pode representar uma função grande, instrumento de imenso benefício, e  a riqueza  se for bem usada, torna-se maravilhoso processo de criação.

Mas não foi isto que aconteceu até aqui: os princípios iluministas do século XVI e XVII se aglutinaram na  pretensa ciência neutra emergente para desagregar-se na  Revolução Industrial, que gerenciou e materializou a estrutura do Estado numa sociedade dividida, escravizada em seu próprio arcabouço estrutural.

Consagrado o Estado Alemão na Fenomenologia do Espírito de HEGEL6, teve base estrutural em três pólos:  a Teologia, a Medicina e o Direito. É superando até a crítica Kantiana na fundação da Universidade de Berlim, que o Estado se estrutura neste tripé; já que Kant não compreendia porque a  Universidade teria quatro matérias, três superiores: teologia, direito e medicina e uma inferior: a filosofia. KANT7,  tenta levar, à consciência histórica da época, que a filosofia construía o cidadão, o ser livre, em uma sociedade sem opressão e sem submissão; uma sociedade sem escala de valores  de ficção.

Mas a história do Estado somente pode existir a partir da estruturação da sociedade dividida, da sociedade dos vencidos…

Assim os vencidos, na visão de UBALDI8, ficam a olhar todas as velhacarias dos vencedores. Não sabem organizar-se, compreender melhor, para fazer melhor. São todos da mesma raça. Vivem assim com a miragem de conseguir um dia apoderar-se  de qualquer coisa, como só pode fazer quem tem em mãos o poder…

Entre os que ficam de fora, continua UBALDI, a olhar de  estômago vazio, são escolhidos os subordinados, os satélites, a clientela dos dependentes que se oferecem, contanto que ganhem algo do banquete. Assim, podem entrar outros nas fileiras dos felizes; nascem daí os representantes das autoridades, mediante cessões parciais; nascem  a burocracia, os administradores, a classe dos escravos do Estado. É, a máquina social a serviço dos patrões. Estes mudam, por vicissitudes políticas, mas aquela permanece porque serve para todos.

Mas, nos escravos, ainda UBALDI  completa, fica também, o instinto de subir, o humano e universal, instinto de dominar. E, não há homem que, ao vestir-se com a  aparência  do patrão, não se sinta por si mesmo investido com a autoridade dele, e também um pouco patrão, e não procure como o fazem os chefes, utilizá-la para si. O homem é sempre o mesmo. Por isso, o funcionário acredita que ele mesmo é, um pouco, o Estado, como o sacerdote crê que é  um pouco a Igreja e, investindo-se da autoridade de Deus,  de que ele se faz ministro, é levado a dogmatizar como tal e isto tendo, por base, apenas suas idéias pessoais, como ministro de Deus; ele se sente um pouco investido dessa onipotência e inefabilidade. Assim, o médico é levado a substituir-se às forças  curadoras da natureza, tentando monopolizar em suas mãos os poderes dela, como os ministros das religiões são levados a monopolizar Deus e utilizá-lo como poder próprio. Por isso, o médico é levado a  assenhorar-se do doente, na luta contra os micróbios, como  o ministro de uma religião é levado a dominar as consciências, impondo-se aos mais fracos. Assim, o exército consciente dessa força pode tentar tomar conta do poder.

Como fundamento do Estado, existe sempre o espírito Gregário, com fim utilitário, para ataque e defesa na luta pela vida. Estas são as bases biológicas e as  verdadeiras origens do Estado. Se quisermos compreender os fenômenos sociais, temos sempre que nos referir aos princípios fundamentais da vida.

É, assim, que instintivamente se formam os grupos, e o que vence os demais forma  a classe dominante que constitui o Estado, o mesmo Estado Romano que impera até hoje através do Direito e que então se organiza, para na defesa e sobretudo para resistir em  sua posição. Em redor desse grupo dominante, rondam como satélites as forças menores da nação, em posição mais ou menos privilegiada e com domínio correspondente a seu valor e poderio. Neste trabalho e distribuição, todos obedecem ao mesmo imperativo e  necessidade imprescindível, que é viver; e, também, de descobrir e usar todos os meios, desde a força, até a paciência do domínio, à adaptação na obediência, para  sobreviverem. Ao vencedor a glória e a própria submissão, só porque ele representa a   capacidade de guia que os subordinados aceitam, apenas como vantagem própria e  defesa.

Como se vê, permanecemos em tudo isto, no princípio do egoísmo e o edifício todo é construído sobre um jogo de egoísmo. O homem de hoje é tal, que é inútil pretender que o Estado, ou qualquer agrupamento humano possa ser algo diferente de  uma organização de egoísmo em bases estritamente utilitárias. Nesse nível evolutivo, o  altruísmo é um absurdo biológico e conseqüentemente estaria decretado à falência da  objetividade dos valores sociais, se algo não acontecer que reverta esta condição e  desenvolva uma  abordagem mais integrativa da gestão, nas muitas gestões empresariais que possam existir.

Ao povo agrada o belo sonho utilitário de ser servido gratuitamente pelos dirigentes. Mas, é uma ingenuidade não saber que a vida nada oferece de graça. Ignora que seu mundo é o da força, e que o povo não será servido enquanto não tiver aprendido a ser uma força e representar um valor. Quem nada vale, nada obtém na vida. Os governantes levarão em conta o povo, quando este souber valer-se pela inteligência, consciência de si mesmo e vontade, quando representar algo no destino coletivo, quando souber até ser terrível e impor-se aos chefes, se necessário.

Diante do que foi exposto, LA BOÉTIE9 é na realidade,  na visão de  Clastres10, o desconhecido fundador da antropologia do homem moderno, do homem das sociedades  divididas. Antecipa  com  mais  de  três  séculos  de  distância,  a   empresa   de 

Nietzsche e  Marx: ao  pensar a decadência e a alienação. O homem desnaturado existe na decadência porque perdeu a  liberdade, existe na  alienação porque deve obedecer. Reverter este  sentido é converter a   história numa tomada de consciência ímpar, onde  no próprio dizer de La Boétie: “a natureza não queria tanto fazer-nos todos unidos, mas todos uns” e que somos “todos naturalmente livres” e que recebemos “o grande presente da voz e da fala para convivermos e  confraternizarmos mais, e fazermos através da declaração comum e mútua de nossos pensamentos, uma comunhão de nossas vontades.” Nesta,  está inserido o grande momento que se observa no bojo da globalização: a interação da transdiciplinaridade e da interdisciplinaridade que  possibilita a ascensão do altruísmo e da complementaridade de uns para com os outros; uma nova sociedade integradora e  integral, uma sociedade diferente da primitiva, mas evolutiva na sua própria indivisibilidade: uma sociedade da Boa Vontade.

É nesta sociedade da Boa Vontade,  da comunhão de novas vontades que surgirá a moderna e empreendedora gestão empresarial dentro de princípios de  liberdade e não de dominação entre o capital e o trabalho: como  dizia LA BOÉTIE 11 “… o que pensar que deu  a tão pouca gente , como éramos gregos, não o poder, mas  a fibra para sustentar a  força de tantos navios…,  para derrotar tantas nações… senão que, ao que parece… não se tratava da batalha dos gregos contra os Persas, mas da vitória da liberdade sobre a  dominação?!”

É pois, embasando-se nesta ampla  visão que sobrepõe, contraditoriamente, liberdade e dominação que tentaremos  ajustar as bases da gestão empresarial às portas do século XXI: a gestão empresarial frente à falência  da objetividade dos valores sociais.

Qualquer organização que vincule o ser humano numa relação de mais valia entre o capital e o trabalho e que menospreze um dos dois, estabelecendo relações de poder, em detrimento à liberdade, pode ser uma  organização que contribua para uma efetiva falência, na objetividade dos valores sociais.

Este tipo de organização, que somente visa o lucro em detrimento do ser humano, alimenta a forma de desenvolvimento a todo custo, é  a organização que domina  a economia global na atualidade. E no dizer de  LA BOÉTIE, este mau encontro, a política desta organização não se explica pelo exercício da força nem pela presença da covardia, seu mistério reside nessa ausência de  constrangimento, no fato de que a violência não é causa da servidão voluntária do homem ao capital, mas seu efeito. A mola propulsora de sua instauração é o desejo de servir. Causa eficiente da servidão, o desejo servil produz o  modelo, em vez de imitá-lo. Que haja móbeis para esse  desejo, LA BOÉTIE não o nega, pelo contrário, os descreve “querem servir para ter bens”.

Desta forma, na opinião de MARILENA CHAUÍ12 “ A natureza se faz  costume; o costume se faz memória; a memória se faz repetição; a repetição se faz analogia, identificação. A servidão voluntária não percorre um caminho, trabalha para traçá-lo”. E assim constrói as organizações  que servem ao capital e, portanto, ao  sistema político que alimenta este desenvolvimento pelo desenvolvimento do lucro e da  exploração das relações de trabalho e das relações do trabalho com a natureza.

Constrói-se um sistema de organizações administrativas, cujo técnico específico, no dizer de  COVRE 13, “é requerido  pelo sistema de produção na fase atual do desenvolvimento sócio-econômico brasileiro e um desenvolvimento voltado para a grande empresa que se vê na  contingência de absorver mão-de-obra qualificada para funções de análise, controle e planejamento das atividades empresariais, que pelo nível de tecnologia, se tornaram mais complexas, se burocratizavam para se manterem.”

“O administrador, continua COVRE, expressa o expoente que bem incorpora a ideologia capitalista e cujos conhecimentos de marketing, finanças, planejamento empresarial, etc, são imprescindíveis a operação do empreendimento capitalista, em sua fase  monopolista.”

O administrador incorpora pois, o desejo servil que resulta em “querer servir para ter bens” e consagra o discurso da Servidão Voluntária, servindo ao capital que o faz destacar na relação de poder, dando-lhe  o próprio marketing de sua servidão: como expressa  um artigo da Folha de São Paulo14, onde administradores formados pela Fundação Getúlio Vargas (SP) escolhem um navio para seu encontro anual e como diz o próprio artigo “A operadora Carrara, do ex-aluno da Fundação Getúlio Vargas Pio Carrara, providenciou o fretamento do transatlântico Costa Marina e cuidou da comercialização dos pacotes” e continua “Para tornar o evento mais atraente, a Associação dos Ex-alunos da Fundação Getúlio Vargas (SP) decidiu promover palestras e premiar  durante a viagem os dez alunos que mais se destacaram em 1998.”

 É esta pois, a justificativa do modelo de desenvolvimento incorporado pelas organizações; pelos grupamentos em microssociedades em que se desenvolvem comportamentos peculiares, que fazem surgir novas crenças e valores no dizer de  KANAANE.15

A  compreensão desses fenômenos sociais e as prescrições para melhorar a produtividade e a qualidade dos agrupamentos constituem o principal campo da Sociologia aplicada à administração, trazendo para dentro da organização os conhecimentos obtidos com os grupos sociais.  Outra  preocupação da Sociologia aplicada ao contexto empresarial  tende a ser o estudo da  comunidade organizacional, ainda, na concepção de KANAANE15,  a forma e a maneira pelas quais a mesma organiza as relações sociais de poder e autoridade. As distintas maneiras pelas quais as organizações se estruturam contemplam formas diferenciadas de organização, segundo, ainda, KANAANE, entre outras: a departamentalização, a estrutura matricial, as equipes, as forças – tarefas, as comissões, os  comitês, os colegiados, o que implica a análise e a compreensão das relações sociais contidas nos respectivos agrupamentos. Estes possuem clima, culturas e subculturas organizacionais específicas.

FRIGOTTO16 afirma que o ponto crucial é que o fato de a nova e fantástica base técnica,  potenciadora das forças produtivas, classe sob relações de exclusão social, ao contrário de liberar tempo livre enquanto mundo da liberdade, produz tempo de  tensão, sofrimento, preocupação e flagelo do desemprego estrutural e subemprego. O trabalho,  enquanto força de trabalho, passa a constituir-se uma preocupação visceral de tal sorte que, perversamente como nos indica FRANCISCO DE OLIVEIRA17, o  caráter excludente das relações sociais determina que nestas circunstâncias, o trabalhador lute para manter-se ou para  tornar-se mercadoria.

Aqui mais uma vez, lembra-nos CHAUÍ18, nos remonta ao núcleo da  argumentação de La Boétie, na gênere do “imperium”,  no infortúnio e na insensatez dos que levaram um homem acima dos demais, deixaram-no tomar o título de  capitão, depois de rei e senhor. Esse gesto  de elevação, continua ela, pelo qual um indivíduo é eleito para dirigir os demais colocando-se fora e acima da comunidade de onde saiu, e a  definição jurídica do rei Cristão. E esta fundamentação  jurídica ganha solidez com a passagem do rei para imagem da justiça, e seu corpo é agora duplicado  em pessoa privada e pessoa pública,  sua vontade sendo a República.

Dá-se forma ao Estado e à sociedade dividida, na qual a relação social:  trabalhador/mercadoria, é apenas um reflexo do desejo de servir, e,  é o povo que gera seu próprio infortúnio, cúmplice dos tiranos. Doença que se propaga por contaminação, a tirania, ataca a sociedade inteira. E se o segredo do costume é “ensinar-nos a servir”, nenhum costume é antídoto para a servidão.

Por isso, toda organização que estabelece  relações de  poder estará literalmente fadada à falência da autogestão e autodeterminação, por não se espelhar numa sociedade libertária das amarras milenares do “Imperium” da Tirania. 

 Para COMPARATO19, vivemos hoje, provavelmente, o apogeu da civilização produtivista, que os ideólogos socialistas do princípio do século XIX anunciaram com fervor. Esse novo tipo de civilização apresenta características inteiramente originais, à luz da História. Extrinsecamente, em primeiro lugar, por ser a primeira civilização verdadeirtamente universal. Intrínsecamente, porque o valor social supremo ao qual todos os demais se subordinam, é o trabalho industrial, a atividade de produção organizada de bens e prestação de serviços. Sem dúvida, o objetivo último parece ser, ainda e sempre, o poder sobre a natureza e os homens, e não o luxo, o prazer ou a dissipação. Mas agora, essa onipotência, segundo se acredita, obtém-se não pelo culto religioso, o esplendor de ações heróicas, o labor científico metodicamente conduzido, a pura força militar ou a criação artística e, sim, pela produção industrial.

O crescimento do poder empresarial tornou manifesta a necessidade de se aperfeiçoarem os mecanismos de defesa contra os abusos desse poder. Trata-se, isto sim, de disciplinar o exercício do poder sobre os outros homens, ou a potencialidade de influência sobre o  meio natural, implicados na utilização de bens de produção. Há uma “oligarquia que se autoperpetua”  hoje em dia , representada pelos administradores não-acionistas das grandes corporações que sofrem a concorrência crescente dos tecnocratas estatais, que exercem o chamado “controle externo” sobre os principais complexos empresarias privados.

O que se desvenda, afinal, nesse debate entre “liberdades formais” e “liberdades reais” é um autêntico processo dialético hegeliano, em que a negação das primeiras pelas segundas está a conduzir-nos, necessariamente, à busca de uma superação. E esta última parece advir de dois movimentos complementares: de um lado, a revitalização das liberdades individuais e, de outro, a realização não burocrática das liberdades sociais.

A revitalização das liberdades individuais encontra sua razão de ser, no fato de que elas já não visam apenas, como dantes, à proteção das minorias, mas também à tutela da maioria, face à centralização do poder político e econômico. É o caso paradigmático da defesa do consumidor e, também, o de preservação do equilíbrio ecológico, problemas virtualmente desconhecidos numa fase histórica anterior à da produção industrial em massa.

No tocante às liberdades de conteúdo positivo, as de criar ou reconstruir situações sociais, o movimento de superação do atual impasse terá que buscar a constituição de uma esfera do social, entre os extremos do “público”, entendido como sinônimo de estatal, e o “ privado”, no sentido de interesses meramente particulares, conclui, Comparato.

A experiência universal, nos últimos trinta anos, aí está para nos demonstrar que o sentido das chamadas liberdades reais passou a ser no século XX, não a substituição do Estado pela “livre associação dos trabalhadores”, a realização por obra exclusiva do Estado, de novas condições de vida, sociais e econômicas, podendo-se colocar a tercerização como uma delas. Mas, a indagação que fazemos hoje, insistentemente, no coração das massas , é bem esta: o abandono das liberdades pessoais, diante do Poder benfazejo, constitui realmente o penhor de uma realização mais completa da justiça econômica e social? 

Conta MONTAIGNE20, em certo passo dos Ensaios, o episódio da apresentação à corte de Carlos IX, reunida  em Rouen, para apresentar na oportunidade  três índios brasileiros, trazidos da “França Antártica” por Villegaignom. O rei falou aos aborígenes durante longo tempo. Depois, estes puderam ver o modo de vida dos civilizados, a sua pompa e a forma de sua bela cidade, enfim, todas as coisas que lhes eram absolutamente novas. Alguém, teve, então, a idéia de lhes perguntar o que achavam de mais admirável em tudo aquilo. Empregando uma curiosa maneira de chamar os homens “metade”, uns dos outros, os índios disseram, relata Montaigne, “que havia, entre nós, homens repletos e saciados de todas as comodidades, enquanto as suas metades mendigavam às portas, descarnados de fome e pobreza; e achavam estranho que essas metades tão indigentes podiam sofrer uma tal injustiça, sem se lançar à garganta  dos outros ou deitar fogo às suas casas.”

Rever este equilíbrio perdido, é uma  necessidade urgente e, com o retorno ao princípio de liberdade reavendo o elo de integração homem/terra , descobriremos fontes renováveis de energia para que este civilizado sem direção , encontre nas atitudes  elementares dos ditos primitivos, uma melhor perspectiva de utilização desta tecnologia fadada ao desperdício dos já escassos recursos naturais, bem como contribuindo para, em uma primeira visão, a falência na objetividade dos valores sociais.

“Juro, gera juro, nunca gera mercadoria” gerando, neste final de século, a ficção do  valor reverberado nos capitais voláteis sem rumo; e no dizer de Max Weber21, gera também “o desenvolvimento do Estado moderno, que teve por ponto de partida a vontade do príncipe de expropriar as potências “privadas” independentes que, ao seu lado, detinham um poder administrativo, isto é, todos os que eram proprietários de meios de gestão, de recursos financeiros e de todas as espécies de bens suscetíveis de serem utilizados politicamente. Esse processo realizou-se paralelamente ao desenvolvimento da empresa capitalista que expropriava pouco a pouco os produtores independentes” e gerenciou, alimentou e materializou a estrutura do Estado numa sociedade dividida, escravizada em seu próprio arcabouço estrutural.

Como fundamento do Estado, existe sempre o espírito gregário, com fim utilitário, para ataque e defesa na luta pela vida. Estas são as bases biológicas e as  verdadeiras origens do Estado e dessa lógica do conhecimento institucionalizado. Se quisermos compreender os fenômenos sociais, temos sempre que nos referir aos princípios fundamentais da vida.

É, assim, que instintivamente, se formam os grupos; e, o que vence os demais, forma  a classe dominante que constitui o Estado, o mesmo Estado que impera até hoje através do Direito. Ao redor desse grupo dominante, rondam como satélites as forças menores da nação, em posição mais ou menos privilegiada e com domínio correspondente a seu valor e poderio.

Neste trabalho e distribuição, todos obedecem ao mesmo imperativo e  necessidade imprescindível, que é viver; e também a de descobrir e usar todos os meios desde a força até a paciência do domínio à adaptação na obediência, para  sobreviver. Ao vencedor a glória e a própria submissão, só porque ele representa a   capacidade de guia que os subordinados aceitam apenas como vantagem própria e  defesa.

Como se vê, permanecemos em tudo isto no princípio do egoísmo e o edifício todo é construído sobre um jogo egoísta. Nesse nível evolutivo, o  altruísmo é um absurdo biológico e conseqüentemente estaria decretado à falência da  objetividade dos valores sociais. Se algo não acontecer que reverta esta condição e desenvolva uma  abordagem mais integrativa da gestão,  poderemos estar fadados à falência dos valores sociais, pois no dizer de Rousseau22: “assim os que pretendem que o ato pelo qual um povo se submete a chefes não é um contrato, têm toda razão. É unicamente uma comissão, um emprego no qual simples funcionários do Soberano exercem em seu  poder, do qual ele os fez depositários, e que ele pode limitar, modificar e retomar quando quiser, pois a alienação desse direito é incompatível com a natureza do corpo social, e contrária à finalidade da associação”.  Cabe ainda ressaltar no dizer de Aristóteles que identifica esse “interesse comum” com a felicidade, que é a vida virtuosa23: “ Se os homens se associassem e se reunissem em vista tão-só da prosperidade material, sua participação no governo da cidade deveria ser exatamente proporcional à sua fortuna própria, de sorte que o argumento dos campeões da oligarquia aparentariam grande força(…) Mas os homens não se associam apenas em razão da vida material, mas, antes, em vista da vida feliz  (pois, de outro modo, uma coletividade de escravos ou de animais seria um Estado, quando, na realidade, isto é impossível, dado que tais seres não têm participação alguma na felicidade nem na vida fundada na vontade livre)”.

O homem desnaturado existe na decadência porque perdeu a  liberdade; existe na  alienação porque deve obedecer. Reverter este  sentido, é converter a  história numa tomada de consciência ímpar, onde,  no próprio dizer de LA BOÉTIE: “a natureza não queria tanto fazer-nos todos unidos, mas todos uns” e que somos “todos naturalmente livres” e que recebemos “o grande presente da voz e da fala para convivermos e  confraternizarmos mais, e fazermos através da declaração comum e mútua de nossos pensamentos, uma comunhão de nossas vontades.” Nesta  está inserido o  grande momento que se observa no bojo da globalização: a interação da transdiciplinaridade e da interdisciplinaridade que  possibilita a ascensão do altruísmo e da complementaridade de uns para com os outros. Uma nova sociedade integradora e  integral, diferente da  primitiva, mas evolutiva na sua própria indivisibilidade: uma sociedade da Boa Vontade regida por uma lógica desenvolvimentista sustentável..

Diariamente, somos submetidos a um verdadeiro bombardeio de informações sobre problemas ambientais que estão ocorrendo no Brasil e no mundo.

As estações de rádio e televisão, os jornais, as revistas falam do efeito estufa, da destruição da camada de Ozônio que envolve a Terra, dos desmatamentos e das queimadas da Amazônia, da pesca predatória, do derramamento de petróleo no mar, da destruição de manguezais, da contaminação das águas por mercúrio e outros metais pesados, por agrotóxicos, poluição do ar de grandes cidades, inversão térmica, praias contaminadas por esgotos, por lixões onde a grande parte da população se abastece, espécies de animais e vegetais em extinção, destruição da fertilidade do solo, erosão, favelas, desabamentos de encostas com soterramento de moradores, enchentes, secas, extermínio de meninos de rua, desnutrição, violência, desemprego, miséria absoluta e uma infinidade de problemas observados quotidianamente, fruto da desinserção do Homem da Natureza, e da sua relação de sabedoria entre si e o seu próximo.

Fala-se, também, numa crise ambiental que hoje ameaça a sobrevivência da espécie humana no planeta, cuja saída depende de um novo estilo de desenvolvimento: o desenvolvimento sustentável.

Para discutir a crise e sua solução foi convocada pela ONU a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento, a Eco-92, reunindo mais de 100 governantes dos países do globo. O Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento intitulado sugestivamente de: “Nosso Futuro Comum”, constata que “alguns consomem os recursos da terra a um tal ritmo que provavelmente pouco sobrará para as gerações futuras. Outros, em número muito maior, consomem pouco demais e vivem na perspectiva de fome, da miséria, da doença e da morte prematura e nunca se registrou quantidade tão grande de famintos como atualmente.

Em 1980, existiam 340.000.000 de pessoas em 87 países em desenvolvimento com graves problemas de saúde por não consumirem a quantidade mínima de calorias necessárias.  Há, infelizmente, a previsão de agravamento pelo Banco Mundial, o quadro de fome do mundo tende a se agravar e o número de famintos a aumentar. Mas, a disponibilidade de calorias produzidas pela terra permite o consumo diário de 3.140 calorias por habitante do planeta, número superior em quase 31% às necessidades alimentares médias do mundo (2.400 calorias).

Se há  produção de comida diária para suprir com sobras as necessidades de todos os habitantes do planeta, pode-se concluir que o problema da fome decorre da desigualdade na repartição dos alimentos entre nações, e entre as diferentes camadas sociais dos países. Em outras palavras, não basta a produção de boas colheitas, é necessário que as  pessoas disponham de recursos para comprar os alimentos.

Gro Harlem Brundtland considera a pobreza como “a maior causa, e o maior efeito dos problemas ambientais”. Segundo ela, “é fútil tentar tratar problemas ambientais sem uma ampla perspectiva que inclua ambos como fatores essenciais da pobreza mundial da desigualdade internacional.

Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:

“O desgaste do meio ambiente foi com freqüência considerado o resultado da crescente demanda de recursos escassos e da poluição causada pela melhoria do padrão de vida dos relativamente ricos. Mas a pobreza polui o meio ambiente, criando outro tipo de desgaste ambiental. Para sobreviver, os pobres e os famintos muitas vezes destroem o seu próprio meio ambiente: derrubam florestas, permitem o pastoreio excessivo, exaurem as terras marginais e acorrem em número cada vez maior para as cidades já congestionadas. O efeito cumulativo dessas mudanças chega a ponto de fazer da própria pobreza um dos maiores flagelos do mundo.”

Entretanto, ninguém, pessoa ou nação é pobre por opção. A pobreza decorre da repartição desigual dos recursos naturais e das riquezas produzidas pelo trabalho da população, entre nações e entre as diversas camadas sociais do interior de cada país.

 Os países industrializados, com 26% da população mundial consomem a produção de 80% da energia, 79% de aço, 86% de outros metais, 85% de papel, 53% de gordura, 38% de proteína e 34% de calorias.

Os países subdesenvolvidos com 74% da população mundial ficam apenas com 20% da energia , 21% de aço, 14% de outros metais, 15% de papel, 47% de gordura, 62% de proteína e 66% de calorias .

Um cidadão dos Estados Unidos consome  o dobro  da energia consumida por um Europeu, cinco vezes a  consumida por um Indiano, cento e  sessenta e oito vezes a  consumida por um Tanzaniano e novecentas vezes a energia utilizada por um morador do Nepal. Estes dados, demonstram que a limitação do crescimento da população dos países em desenvolvimento, por si só, não evitaria o esgotamento dos recursos naturais  e a degradação ambiental. O estilo de vida dos países ricos é tão grave para a ecologia mundial quanto à chamada, “explosão demográfica”, nos países pobres.

Estimativas do Banco Mundial e da FAO, no início dos anos 80, indicaram que o número de pessoas que vivem em estado de pobreza absoluta variava entre 700 milhões e 1 bilhão. Segundo a maioria dos indicadores, em 1989 houve um aumento do número de pobres na Ásia, na África, abaixo do Saara e na América Latina.

Ao lado da desigualdade no acesso aos recursos naturais entre países ricos e pobres, existe uma  ainda mais séria. Trata-se da desigualdade  social, no âmbito dos países em desenvolvimento. O consumo dos 20% de pessoas mais ricas comparado com o dos 20% mais pobres é maior: 8 vezes na Índia, 20 vezes no México, 22 vezes no Quênia, 33 vezes no Brasil. Na França, país rico do 1º mundo, esta  relação é de 9 para 1.

Como, pois, reverter este quadro de desigualdade social entre países ricos e pobres, sem antes remodelar o nosso desenvolvimento a todo custo para um desenvolvimento sustentável, uma nova lógica do saber, possivelmente em conexão com a idéia de comunidade cultural? O senso comum, associa comunidade ao mundo rural. Uma linha da chamada “educação popular”, no afã de valorizar o saber popular, levou, em certos meios, à absolutização do “conhecimento que vem do povo” e da sua trajetória de vida. Ter-se-ia, assim, que buscar no passado e nas tradições (por isso, a ligação  maior desse pensamento com o mundo rural) as soluções para o futuro.

 Vale ressaltar que as organizações de produtores familiares, ONG’s, e setores de instituições públicas, que lidam hoje com a problemática da agricultura sustentável apropriada, não adotam mais esta perspectiva simplista para estes; desenvolvimento sustentável não combina com atraso. Se um modelo de agricultura sustentável para um país tropical  está em gestação, ele deve se basear e se produzir, tanto no plano agronômico quanto no da gestão , através de uma  combinação de tradição e de inovação, de saber adquirido pela experiência e de saber técnico-científico numa nova concepção de Universidade.

Falar de comunidade é também falar de um território, onde a convivência permite o conhecimento mútuo e possibilita a ação conjunta. Na escala humana, este é o espaço onde os cidadãos podem fazer algo a seu alcance, passível de ser entendido e de produzir efeitos visíveis.

Sem uma mínima consciência ecológica, não reverteremos este quadro desolador das diferenças sociais geradas por um desenvolvimento econômico acelerado e sem metas na busca de uma reorganização do Estado,  que possa minimizar as diferenças sociais e acelerar a promoção humana rumo à sustentabilidade duradoura de seu sistema bio-psico-social e espiritual, fundante de uma sociedade da Boa Vontade.

Esta sociedade da  Boa Vontade tem bases libertárias na aplicação efetiva do método do Evangelho de Jesus, que levará necessariamente à integração social, através da fraternidade dos seus elementos diversos, numa unidade de princípios igualitários e semelhantes, onde a chave para o desenvolvimento é a participação, a organização, a educação e o aumento do poder das pessoas dentro da lógica do desenvolvimento sustentável.

Para KANAANE24, trabalho e existência humana são noções correlatas. O homem é essencialmente  um ser que produz o mundo e a si mesmo. Seu trabalho deve estar voltado para a liberdade, criação e realização, pois a participação, via envolvimento da comunidade, restaura o referencial perdido contra  a alienação e o engajamento nas situações imediatas de trabalho.

A integração, ainda na visão do autor KANAANE (1989), que seria responsável pela manutenção da solidariedade entre as unidades para o eficiente funcionamento do sistema social, tem como contra partida o conflito, muitas vezes encarado como algo desfuncional, anormal ou patológico.

Em termos organizacionais, a administração dos conflitos seria feita, então, sob a forma de participação, pela integração do empregado, dos interesses da empresa, tendo como respaldo as motivações individuais/grupais. Neste aspecto o conflito surge como algo natural e salutar para o equilíbrio organizacional.

Fela MOSCOVICI25  em seu estudo  sobre comportamento organizacional, retrata entre outros pontos, a necessidade de que as  estruturas organizacionais e, em especial, os executivos criem mecanismos facilitadores para que haja a participação efetiva do homem nos respectivos ambientes de trabalho, havendo, dessa forma, a valorização do ser humano concomitante aos avanços tecnológicos.

    Este direcionamento, acrescenta ainda KANAANE26,  significa o enfoque contrário aos padrões da administração tradicional, destaca a necessidade de servidão dos atuais valores presentes na organização e evidencia sobremaneira o ser humano em termos de crescimento a partir do desenvolvimento organizacional, ou seja, torna as estruturas mais flexíveis, permite o  livre acesso à comunicação, às trocas interpessoais e ao constante intercâmbio com o ambiente externo à organização.

A participação, como mecanismo de interação social e política, para Kanaane , retrata o grau de amadurecimento existente nas relações presentes nos diferentes setores da organização.  Para que se possa atuar como agente de transformação social e administrativo, é necessário considerar os aspectos extrínsecos e aqueles inerentes à condição humana, no sentido de compreendermos a convivência grupal e comunitária (valores, normas, sistemas de comunicação), evidenciados nas organizações.


2  CLASTRES, Pierre.  Liberdade, mau encontro, Inominável . In LA BOÉTIE, Etienne de,  O Discurso da Servidão Voluntária, 4. ed. , São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 110-113.

3  LA BOÉTIE, Etienne de.   O discurso da servidão voluntária. 4. ed. , São Paulo:Brasiliense, 1985.

4  CLASTRES, Pierre.  Liberdade, mau encontro, Inominável . In LA BOÉTIE, Etienne de,  O discurso da servidão voluntária, 4.ed. , São Paulo: Brasiliense, 1985.

5  UBALDI, Pietro.  Problemas atuais.  3. ed.,  Rio de Janeiro:Fundação Pietro Ubaldi, 1986.

6  HEGEL, G. W. F.  Fenomenologia do espírito. Petrópolis – Vozes, 1992.

7 KANT, E. Critique de la faculté de juger suivi de Idée d’une  hitorie universelle au point de vue cosmopolitique et le Réponse à la question: Qu’est-ce que les lumiéres?. Paris: Gallimard, 1985. 561p. vol.1. 

8  UBALDI, P.  Problemas atuais. 3. ed.  Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1986.

9 LA BOÉTIE, Etienne de.  O discurso da servidão voluntária. 4.ed. , São Paulo: Brasiliense, 1985. 239 p.

10 CLASTRES, Pierre. Liberdade, mau encontro, Inominável, in LA BOÉTIE, Etienne de. O discurso da servidão voluntária, 4. ed., São Paulo: Brasiliense, 1985, 239 p.

11 LA BOÉTIE, Etienne de.  O discurso da servidão voluntária. 4. ed.,  São Paulo: Brasiliense, 1985. 239 p.

12 CHAUÍ , M   Amizade, recusa do servir in Discurso da servidão voluntária.   Etienne de La Boétie, 4. ed.,  São Paulo: Brasiliense, 1987.

13 COVRE, Maria de Lourdes Manzini  A formação e a ideologia do administrador de empresa. 3. ed. Cortez, 1991 – p. 181-182

14  Ex-alunos analisam o balanço das Ondas.  Folha de São Paulo, 23, mar, 1998.

15 KANAANE, R.   Comportamento humano nas organizações  O homem rumo ao século XXI,  São Paulo: Atlas, 1994

16 FRIGOTTO, G.  Educação e a crise do capitalismo real.  São Paulo: Cortez , 1995.

17 cit. in FRIGOTTO 1990:12

18 CHAUÍ , M   Amizade, recusa do servir in Discurso da servidão voluntária     Etienne de La Boétie, 4. ed.,  Brasiliense, São Paulo:1987.

19 COMPARATO, Fábio Konder .  Para viver a democracia.   São Paulo: Brasiliense,1989, 214 p.

20 MONTAGNE apud  COMPARATO, Fábio Konder  Para viver a democracia,  São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 36, 37, 214 p.

21 MAX WEBER apud COMPARATO, Fábio Konder.  Para viver a democracia,  São Paulo: Brasiliense, 1989, p.59, 214 p.

22 ROUSSEAU apud COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia, São Paulo: Brasiliense, 1989. p.59, 214 p.

23 ARISTÓTELES apud COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia, São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 81, 214 ps.

24 KANAANE, R. Comportamento humano nas organizações:o  homem rumo ao século XXI, São Paulo: Atlas, 1994

25 MOSCOVICI apud  KANAANE.  Renascença organizacional. Rio de Janeiro:  Técnico e Científico, 1989

26 KANAANE, R. .   Comportamento humano nas organizações – O homem rumo ao século XXI,  Atlas, São Paulo: 1994

 

2 – A INTERDISCIPLINARIDADE COMO FORMA DE  RECOMPOR O NOVO MODELO DE ORGANIZAÇÃO QUE PRIVILEGIE A UNIDADE E A  ORGANICIDADE DO SABER:

Além de ser  um empreendimento de ordem filosófica, científica e educativa, a busca da interdisciplinaridade corresponde a um desafio, por se constituir num ato político de extrema relevância para a consecução do atual projeto de formação profissional tanto do assistente social, do administrador de empresas bem como da formação do cidadão participante.

Para que isto não aconteça, somos impulsionados em direção à interdisciplinaridade como proposta alternativa pelo fato de reconhecermos a falência do modelo de organização curricular por matérias isoladas, que leva à falência da objetividade dos valores sociais,  pautada na racionalidade científica de cunho neopositivista.

Mas, como coloca KANAANE27, se for adotada como premissa a alternância de posições entre líderes e liderados, têm-se como   múltiplas perspectivas que  retratarão condições facilitadoras para a definição do ambiente organizacional.

Na medida em que o indivíduo, continua ele, visualiza perspectivas diferenciadas no ambiente de trabalho, inclusive aquelas relacionadas à dinâmica do poder e autoridade, há claros indícios de que um clima favorável surja no quotidiano das relações socioprofissionais afetando suas representações sociais sobre o trabalho, ou seja, abrindo um campo de possibilidades e alternativas de ações comprometidas com a dinâmica capital e trabalho.

O grau de desafio que se apresenta, ainda na visão de Kanaane , diz respeito à capacidade de atuação no âmbito das organizações para se entender a dinâmica e o processo inerentes a estas situações e o fortalecimento dos indivíduos e grupos no  sentido de dotá-los de capacidade profissional e social, facilitando o surgimento do “cidadão pensante”.

As teorias em administração, assim como os  pressupostos econômicos e filosóficos sobre o trabalho, sofrem modificações aceleradas decorrentes de mudanças globais que caracterizam este final de século.

A interdependência entre os indivíduos aliada à visão sistêmica quanto do incremento à informatização dos sistemas administrativos direciona o comportamento dos membros da organização para  ações sinérgicas e pós ativas, o que tende a  gerar possibilidades de troca de  informações entre os respectivos membros e o desenvolvimento da  percepção interpessoal. Estas ações em muito facilitarão a compreensão holística da realidade, ou melhor, facilitarão a visão integrada e interdependente entre os vários subsistemas que compõem a organização e as possíveis trocas com o ambiente.

Para SEVERINO28, o positivismo torna-se, no limiar da contemporâneidade,

o maior responsável pela fragmentação do saber e o maior obstáculo à própria interdisciplinaridade. Urge,  pois, a  substituição de uma ciência fragmentada por uma unificada, já que esta concepção fragmentária da ciência, arrasta consigo uma correspondente divisão social do trabalho, diluído no Taylorismo da ação técnico-profissional com  graves conseqüências na estrutura da sociedade e na alocação do poder político entre as classes sociais. Além de base epistemológica do desenvolvimento científico e técnico, continua SEVERINO, o Positivismo passou a ser também o sustentáculo ideológico, extremamente comitente e renitente, do  sistema de poder social e político reinante nas sociedades modernas, sistema de poder este que se tem manifestado de modo fundamental como sistema de opressão, pelo que contradiz radicalmente as intenções declaradas do projeto iluminista de fazer da ciência um instrumento de libertação dos homens. E conclui o autor que a questão da interdisciplinaridade se aguça no campo das  ciências humanas,  em que  o positivismo, para além do mérito de ter ousado tomar o homem como objeto da abordagem científica, pouco pode avançar no conhecimento do  mesmo.

O homem é uma unidade que só pode ser apreendida numa abordagem sintetizadora e nunca mediante uma acumulação de visões parciais. De nada adianta proceder na decomposição, análise e recomposição de aspectos: esta soma não dará a totalidade humana.

É preciso, pois, no âmbito dos esforços com vistas ao conhecimento da realidade humana, praticar intencional e sistematicamente uma dialética entre as relações das partes e o todo, pois o conhecimento das partes fornecendo elementos para a construção de um sentido total, enquanto o conhecimento da totalidade elucidará o próprio sentido que as  partes,   autonomamente,  poderiam ter.

Isto nos chama a atenção,  na  observação de Severino, para uma série  de conseqüências, que dizem  respeito à interdisciplinaridade, relativas a nossa atuação nos vários campos ligados ao Saber. Para se constituir, finaliza ele, a perspectiva interdisciplinar não opera uma  eliminação das diferenças: tanto quanto na vida em geral, reconhece as  diferenças e as especificidades, convive com elas, sabendo contudo que elas se reencontram e se complementam, contraditória e dialeticamente. O que de fato está em questão na postura de interdisciplinaridade, fundando-a, é  o pressuposto epistemológico, de acordo com o qual a verdade se completa; não ocorre uma Ciência isolada, mas ela só se constitui num processo de concorrência  solidária de várias disciplinas.

Além disso, completa, a interdisciplinaridade implica, no plano prático-operacional, que se estabeleçam mecanismos e estratégias de efetivação desse diálogo solidário no trabalho científico, tanto na prática da pesquisa como naquela do ensino e da prestação de serviços.

 Finalmente, para SEVERINO29 , a atitude interdisciplinar exige ainda a  superação da preconceituosa afirmação  de incompatibilidade entre a Ciência e a  Filosofia. O Saber humano vive hoje uma grande época tanto para a  Ciência como para a Filosofia, que  parecem ter encontrado o segredo de uma coexistência pacífica.

Hoje as ciências dedicam-se, com a abrangência que  seu método lhes permite, ao desvendamento de todas as relações que tecem a realidade fenomenal, enquanto a Filosofia se expande em todas as direções, com toda a liberdade de investigação que a razão natural lhe assegura, procurando constituir o sentido, a significação dessa realidade. Enfim, consagra-se o reconhecimento da multiplicidade dos olhares do espírito sobre uma realidade multi-forme. Todavia, ao mesmo tempo, consolida-se a convicção de que  essa multiplicidade constitui uma rede única a testemunhar que, na origem de fundo, está  um espírito único a olhar para um único mundo, conclui Severino.

A década de 90 inicia-se após a quebra do muro de Berlim como marco decisivo para o início da Globalização. Este rompimento dos paradigmas ideológicos no campo político, onde a dicotomia entre países capitalistas e  socialistas passa a não mais  existir, deixando um vácuo de expectativas sem precedentes, resultará numa modificação radical no gerenciamento e no modo de gestão, não somente  empresarial, mas também modificará profundamente até nas relações humanas, entre homem e mulher, entre capital e trabalho, entre  consumo e produção, entre vida e morte…

Os desafios gerenciais postos a partir de então, formados da necessidade de estabilidade das relações entre capital e trabalho passam a influenciar todas as empresas, em todos seus níveis, desde família/empresa até as multinacionais, desde o microempresário até os administradores das bolsas de valores.

O pano de fundo: uma nova onda liberal que insista em confirmar a hipótese do capital  em detrimento do trabalho, mas o que surge de fato, é uma  realidade dura de diferenças sociais e defasagens culturais,  onde o homem perde sua referência do valor centrado no próprio homem para reforçar a hipótese contrária ao liberalismo de que “juro gera juro e não gera mercadoria”, portanto, o mundo empobrece no seu global, enquanto as  disputas filosóficas e ideológicas vazam o século XX.

Como iniciar a gestão de um novo mundo econômico dentro desta tempestade caótica do fluxo de valores especulativos que ameaçam nações e países num mundo aparentemente bestificado pelos gênios do capitalismo selvagem?

Serão estes gênios do BEM que aplicarão uma fórmula mágica para organizar esta falta de referência ética entre as nações? O Humanismo bate às portas do século XXI, socializando, na Internet, as relações históricas que não pudemos perpetuar, até então, de forma concreta! Fazemos trocas de tudo: de endereços, de afetos, de valores culturais, de bilhetes de amor  e desavenças filosóficas e ideológicas, até de capital!

O Homem se encontra com a mulher e com o afeto que mais  se afine, o consumo se encontra com a produção sem intermediários, o capital financia o trabalho na Internet, e a vida não mais luta contra a morte, mas administra os recursos para um desenvolvimento sustentável que perpetue os valores humanos às próximas gerações.

E o que nos resta de pano de fundo, no fundo do poço das ideologias? Talvez o encontro da  verdade dos efetivos valores desta humanidade: Planejamento estratégico em consonância à qualidade total. Isto é globalizar com AMOR, é integrar capital intelectual ao capital cultural numa economia mais dinâmica, a economia do espírito humano.

A integração interdisciplinar nos desloca a uma ascensão ao pensamento sistêmico e nos faz situar num universo transdiciplinar totalmente  inédito, que será base histórica para as novas organizações. Na ciência do século XXI, a perspectiva holística tornou-se conhecida como “sistêmica” ou “ecológica” como denomina Capra30 , que rompe todos os paradigmas  postos, e, nos coloca, na globalidade do pensamento integral, onde sentimento e razão coexistem e se integram numa nova lógica de compreensão da realidade: a Natureza pede socorro à economia a todo custo, para que repense a sustentabilidade da vida no planeta.

Reconectar-se com a teia da vida para CAPRA31, significa construir, nutrir e educar  comunidades sustentáveis, nas quais podemos satisfazer nossas aspirações e nossas

necessidades sem diminuir as chances das gerações futuras.”

Para isto, urge na concepção de CAPRA, uma eco-alfabetização da própria humanidade respaldada, uma modificação no padrão de consumo e na lógica de se operacionalizar novas organizações empresariais que atuem economicamente como no dizer de STEINER32, significa levar produtos para a troca entre as pessoas, e essa se manifesta  na formação de preços. Tal formação de preços é o que importa, em primeiro lugar, regressivamente à relação de valores, criada para a lavoura pela proporção  entre número de habitantes e a área cultivável.

Em  tal relação se expressa,  ainda na concepção de STEINER, o que originalmente  subjaz  à formação de  preços, pois todo trabalho possível de ser executado só pode partir do número de habitantes, e tudo o que esse trabalho possa ligar-se deve provir da terra; eis o que  todos necessitam. Conclui ele, então que, em nossa economia moderna, bem complexa, ainda se insere algo daquelas condições econômicas primitivas em que se tratava essencialmente, por assim dizer, da  primitiva troca de mercadorias. Ocorre, porém, que não estamos mais em condições de perceber essa relação em toda parte. Urge desenvolvermos esta percepção através de uma reintegração de valores que retome a sociedade não dividida, a sociedade de homens livres.

E ainda STEINER33 afirma que dentro de uma comunidade humana, o homem só é  considerado espírito livre na medida em que se  tenha  emancipado de todo o  genérico da forma indicada. Ninguém é completamente gênero, como tampouco ninguém é  completamente individualidade, mas todo homem emancipa paulatinamente uma parcela maior ou menor de seu ser, tanto do genérico da vida animal como das leis de autoridades humanas que o dominam.”

No tocante  àquela parte do seu ser para a qual não se pode conquistar essa liberdade completa, STEINER34 diz que o homem constitui um membro dentro do organismo da natureza e do espírito. Vive, neste sentido, imitando os demais, ou, como estes, somente aquela parte de sua conduta que procede de suas  intuições. E os instintos morais que  possuir, por haver herdado instintos sociais, adquirem um valor ético pelo fato de ele  os acolher em suas instituições.

Toda atividade imoral da humanidade procede de instituições éticas individuais, e de sua aceitação em comunidades humanas. Em outras palavras, conclui STEINER35 , a vida moral da humanidade é a soma total dos produtos da fantasia moral dos indivíduos humanos livres. Este é o resultado do monismo” ou da unidade do pensamento que as próprias condições da unidade da vida do espírito impõe: uma mutação humana profunda no dizer de BACHELARD36 .

Esta seria pois, a economia do espírito, uma integração do capital intelectual ao capital cultural aproveitando a  recomposição do saber pela gestão empresarial participativa,  recompondo a fragmentação da ciência que  exauriu seu último suspiro na colcha de  retalhos da multidisciplinaridade, numa nova lógica de desenvolvimento – o desenvolvimento sustentável.

Nossa proposta, para este trabalho, é partir de uma avaliação crítica do desenvolvimento econômico que a todo custo  gerenciou essa economia de subsistência de um Estado Moderno ausente, cuja conseqüência foi a dicotomização do mundo globalizado em paradigmas capitalismo\ socialismo; países ricos\ países pobres; mundo natural\ mundoartificial, Homem\ Terra; e, a partir daí, desenvolver uma proposta de desenvolvimento sustentável para o município de Franca-SP, que a partir da integração sócio-ambiental, desenvolva a lógica do desenvolvimento sustentável que rompa com o paradigma macro-econômico. Os novos paradigmas devem ser alicerçados num modelo prático de microeconomia de bairro, através de incubadoras de empresas comunitárias e tecnológicas que possam minimizar as diferenças sociais pela mútua cooperação numa sociedade de Boa Vontade.


27 KANAANE, R.   Comportamento humano nas organizações – O homem rumo ao século XXI, Atlas, São Paulo: 1994

28 SEVERINO, A. J. et all  – Subsídios para uma reflexão sobre novos caminhos da interdisciplinaridade. In Antonio Joaquim SEVERINO et all MARTINS DE SÁ, Jeanete L. Serviço social e interdisciplinaridade  dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. Cortez, São Paulo:1989.

29 SEVERINO, A. J. et all  – Subsídios para uma reflexão sobre novos caminhos da interdisciplinaridade. In Antonio Joaquim SEVERINO et all MARTINS DE SÁ, Jeanete L. Serviço social e interdisciplinaridade  dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. Cortez, São Paulo:1989.

30  CAPRA, F. – A teia da vida .  uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. – São Paulo:Cultrix, 1996

31 CAPRA, F. – A teia da vida. uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. – São Paulo:Cultrix, 1996

32  STEINER, R.  Economia viva – o mundo como organismo econômico único.  São Paulo: Antroposófica  Widar, 1995.

33 STEINER, R.  A filosofia da liberdade. elementos de uma cosmo visão moderna. São Paulo: Antroposófica, 1983.

34 STEINER, R.  Economia viva – o mundo como organismo econômico único.  São Paulo: Antroposófica  Widar, 1995.

35 STEINER, R.  A filosofia da liberdade. elementos de uma cosmo visão moderna. São Paulo: Antroposófica, 1983.

36 BACHELARD apud RIBEIRO, W.D.  A Homeopatia frentre a epistemologia. Franca.  Ribeirão Gráfica, 1997 p. 148.

3. OS MARCOS  TEÓRICOS DA SUSTENTABILIDADE:

 

Durante  os  anos   70   e   80,  a   estratégia  de  desenvolvimento  global  mais

conhecida como Eco-Desenvolvimento e Desenvolvimento Sustentado, conceitos que são utilizados para expressar a preocupação de garantir as necessidades atuais sem comprometer a vida das gerações futuras. Seria, pois, em última análise, que a causa da crise ambiental está vinculada à dinâmica do capitalismo,  cuja apropriação da natureza tem como objetivo o aumento da produtividade através de diferentes fórmulas de artificialização.

A “definição oficial” de desenvolvimento sustentado, ou seja, aquela que parte dos organismos internacionais como a FAO (ONU), está inserida em uma profunda controvérsia de caráter multidisciplinar e de perspectivas teóricas distintas: o pensamento liberal e o pensamento alternativo37. Nesse contexto histórico e intelectual surgem os primeiros marcos teóricos do desenvolvimento econômico rural, precursor do desenvolvimento sustentável. Paralelamente, no início do século XX, surgem as teorias da vida rural americana e o neopopulismo e marxismo heterodoxo. Nessas perspectivas, encontramos políticas e ações que podem ser consideradas precedentes do desenvolvimento rural sustentável: o desenvolvimento comunitário e o movimento dos intelectuais para desenvolver uma prática junto ao povo. O desenvolvimento sustentável é gerado entre a segunda metade do século XIX e o período entre as I e II Guerras Mundiais, já no século XX, quando se produz a hegemonia da orientação teórica liberal da modernização agrária, a extensão da agricultura industrializada e a emergência da Revolução Verde.

Por sua vez, a emergência teórica do “desenvolvimento sustentável oficial” inicia-se na década de 70, quando a pressão ambientalista passa a ter um peso considerável nos países capitalistas centrais. É, nesse contexto, de explosão ecológica, que surge a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano organizada em Estocolmo pelas Nações Unidas em 1972. Nessa Conferência estabelecem-se os princípios norteadores do desenvolvimento sustentável, reconhecendo que o subdesenvolvimento é a origem da degradação ambiental.

3.1 Desenvolvimento Político Economico e o Conceito de Planejamento

 As primeiras discussões teóricas sobre planejamento como instrumento de política econômica datam da década de vinte, sendo que o único país a usar o planejamento de maneira sistemática antes da guerra, foi a União Soviética, adotando o primeiro plano quinquenal em 1929. Tratava-se, de saber, se num país, com decisões econômicas centralizadas, mas em que os indivíduos tivessem livre escolha de consumo e ocupação, seria possível alocar os recursos com a máxima eficiência. Nessas condições, os preços dos bens finais indicariam as preferências dos consumidores; isto é, dada uma distribuição de renda, mostrariam qual a estrutura da demanda final. O problema estava em saber como atribuir preços aos fatores de produção de modo a usá-los com o mínimo desperdício. Como os empresários procuram maximizar o lucro e competem entre si, o preço do produto acaba por igualar-se ao custo de produção e a alocação de recursos será racional: obtém-se a produção de bens finais com o menor uso possível de recursos. Embora, Barone38 tivesse já mostrado, no início do século, que a Comissão Central de Planejamento pode calcular a alocação racional de recursos, economistas como L. VON MISES39 procuraram mostrar que o cálculo econômico é impossível numa economia socialista. Outros, como HAYEK40, julgavam que  teóricamente seria possível a alocação racional, mas impraticável na realidade, pois a Comissão Central teria que resolver uma infinidade de equações que igualassem a procura à oferta de bens – justamente as equacões solucionadas automaticamente pelo mercado numa economia competitiva. A resposta, dada por TAYLOR41, veio mostrar que o problema é mais simples do que parecia à primeira vista. Assim, a determinação dos preços seria semelhante nas economias  socialista e competitiva. A Comissão Central desempenharia as funções de mercado sem que fosse necessário resolver as múltiplas equações de demanda e de oferta de todos os bens. 

3.2 – A Economia Política do Desenvolvimento  Sustentável

 O instrumental conceitual e metodológico da teoria econômica é insuficiente  na abordagem dos problemas do meio ambiente. Porém, observa-se uma tentativa de aproximação entre a economia, a sociedade e a natureza42 que pode levar à elaboração de uma economia política do desenvolvimento sustentável.

           Para a construção de uma economia política do desenvolvimento sustentável deve-se partir do reconhecimento de que o atual sistema econômico, baseado no mercado e em uma ineficiente intervenção do Estado, é contraditório com a necessidade de conseguir um equilíbrio entre a produção material e reprodução e conservação dos recursos naturais.  Como disse TRIGO43:

                “A situação atual de deteriorização dos recursos não resulta da perversidade de setores individuais da sociedade, e sim do fracasso do mercado em fornecer os índices adequados  para o acionamento correto dos agentes econômicos e da ineficiência do Estado em programar e implementar intervenções que corrijam a situação.”

                A economia de mercado, ao tratar os serviços (fluxos) do capital ecológico como bens livres, está incentivando sua exploração indiscriminada. Os princípios da economia clássica supõem uma disponibilidade ilimitada de recursos naturais em um contexto no qual só os bens escassos têm valor  (preços); portanto, as regras institucionais das economias capitalistas se ocuparam com pouco empenho do estabelecimento de critérios e mecanismos para corrigir essa situação.

Isso nos indica a limitação do mercado como mecanismo regulador do manejo dos recursos naturais. Igualmente a intervenção do Estado não tem significado uma alternativa eficaz na proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. A crise fiscal do Estado faz com que as políticas de recuperação de ecossistemas degradados, transferência de receitas como mecanismos corretores de externalidades, por exemplo, não figurem entre as alternativas a considerar.

Algumas correntes ambientalistas,  não discutindo radicalmente  o mercado como a base do sistema econômico, acreditam que a sustentabilidade possa ser obtida utilizando os mecanismos de mercado. Nessa perspectiva, os desequilíbrios ambientais que ameaçavam a sustentabilidade podem ser reduzidos a um valor monetário (impostos, preços). Assim as alterações quantitativas de preços/custos permitiriam um redirecionamento das atividades44.

Porém, as ferramentas teórico-metodológicas da Ciência Econômica, sobretudo da microeconomia, são insuficientes na harmonização do desenvolvimento sócio-econômico com a gestão racional dos recursos. O sistema de preços, por exemplo, não é adequado para resolver os problemas de destruição ambiental.  A racionalidade econômica do capitalismo, leva às empresas a internalizar  o lucro e a externalizar os custos. Como calcular por exemplo, o custo de poluição do meio ambiente? Alguns economistas neoclássicos propuseram que o custo de poluição de um lago deve ser equivalente ao custo do transporte da população afetada para o lago não poluído mais próximo. O que indica um forte reducionismo econômico.45

Para outros autores, o modelo de desenvolvimento sustentável deverá emergir de uma reorganização radical das relações sociais e da economia baseada no mercado. Nesse sentido, “… a busca de um padrão de desenvolvimento  mais sustentável deve começar por reconhecer que muitos dos problemas surgem de deficiências próprias do conceito primário a partir do qual se organiza esse tipo de economia.” 46

Outras interpretações consideram que a destruição sistemática dos recursos naturais não é simplesmente um efeito indesejado das estruturas de organização social vigentes,  mas uma conseqüência inevitável de  comportamentos racionais dentro do atual modelo de desenvolvimento. Disto se deriva que para um desenvolvimento sustentável são necessárias profundas mudanças e inovações nas estruturas políticas, econômicas e sociais.  A racionalidade do modelo dominante, associa o nível de bem-estar à disponibilidade de bens físicos; por isto, é, que são tomados o produto interno bruto per capita e sua taxa de crescimento como indicadores do esforço das sociedades por satisfazerem as necessidades dos seus membros.

Apesar da importância da disponibilidade de bens físicos para o bem estar material da população, existem outros elementos como a disponibilidade de recursos ambientais no sentido amplo, tais como: espaço, energia, recursos naturais (paisagens, água, ar puro, espécies animais e vegetais), disponibilidade de tempo livre, distribuição de renda mediante outras formas de acesso aos bens, disponibilidade de emprego e um nível mínimo de segurança com relação ao futuro, sendo este um fator essencial para determinar nosso comportamento com relação aos bens escassos. É preciso encontrar um novo padrão que substitua o critério de crescimento do PIB como base única  para a análise das políticas47.  Trata-se de mudar qualitativa e quantativamente o modelo vigente, tendo como objetivo central o  melhoramento da qualidade de vida, mas nem sempre o crescimento produtivo.

A transição para o modelo de desenvolvimento sustentável pressupõe repensar o significado do conceito de natureza dentro dos paradigmas teóricos das Ciências Sociais. Para os economistas, a natureza, além de ser considerada infinita,  carece de valor de mercado porque não é produto do trabalho humano. Este é um ponto comum entre os economistas clássicos e marxistas. A natureza segundo MARX deve ser dominada, transformada e colocada ao serviço das necessidades humanas. A Ciência econômica tem se negado a reconhecer os limites naturais e abordar sua relação com a natureza a partir de uma perspectiva diferente. KAUSKY48 , conclui que  “…os meios de produção criados pelo trabalho humano se desgastam (física e moralmente); moralmente se desgastam por novas descobertas e cedo ou tarde deixam de existir. Precisam ser constantemente renovados. O solo, ao contrário, é indestrutível e eterno – ao menos em relação à sociedade humana”.

3.3 –  Qualidade de Vida e Riscos Ambientais:

 

Os    estudos  sobre  motivação   têm  assinalado  a   importância   dos  aspectos

ambientais, ergonômicos e de expectativas  diante do trabalho como representantes da qualidade de vida  experienciada pelo trabalhador. Neste contexto, as informações trazidas  pela sociologia, antropologia, ciência política e  psicologia social têm contribuído de forma acentuada  para compreensão do fenômeno qualidade de vida.

Segundo HAKNAM e SUTTLE49, a qualidade de vida refere-se à satisfação das necessidades do indivíduo, afetando atividades pessoais e comportamentais, a criatividade, a vontade de inovar ou aceitar mudanças, a capacidade de adaptar-se às mudanças no ambiente de trabalho e o grau de motivação interna para o trabalho; estes são evidentemente fatores importantes para o alcance da produtividade.

Podemos afirmar, que a qualidade de vida, depende fundamentalmente das características do meio ambiente, onde se dá, e, suas modalidades, podem ser melhor compreendidas enquanto relacionadas com o desenvolvimento, que pouco a pouco passamos a chamar de sustentável (ou durável). Estas duas grandes categorias: a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável têm, indiscutivelmente, sua expressão mais aguda no ambiente urbano. E a partir deste século, com a inversão da população rural e a população urbana, urge reavaliar os riscos que este meio ambiente urbano está sujeito e a sua relação com a qualidade de vida da sua população. “Mas, que gênero de saber, na indagação de GRINOVER50, de instrumentos, de saber fazer, deveriam ser implantados para assegurar as necessidades básicas – alimentos, habitação, saúde, educação, energia, transporte, comunicação, atividades culturais – sejam atendidos a curto e médio prazo? Seria a qualidade de vida que desejamos, a que os centros urbanos nos oferecem?” E  ainda na observação de DOWBOR51 “ Quando a administração pública não assegura os serviços, buscam-se soluções individuais que terminam por infernizar a vida de todos”. Coloca-se aí, então, a complexidade da vida urbana e o meio sócio-ambiental urbano passa a ser uma questão cada vez mais preocupante no que se refere ao equilíbrio da balança entre qualidade de vida e riscos ambientais.

3.4 –  Tecnologia e Cidadania:

 Na avaliação de JACOBI52,  “no contexto urbano metropolitano, os problemas ambientais têm se avolumado a passos agigantados e a sua lenta resolução tem se tornado de conhecimento público pela virulência de seus impactos: aumento desmesurado de enchentes, problemas cada vez mais complexos na gestão dos resíduos sólidos e a interferência crescente, do seu despejo  inadequado em áreas potencialmente degradáveis em termos ambientais, e impactos cada vez maiores da poluição do  ar na saúde da população. O que o leva a explicitar o complexo desafio de pensar a sustentabilidade urbana e o impacto das práticas sociais prevalecentes que o coloca numa necessidade de multiplicação de práticas sociais, pautadas pela  ampliação do direito à informação  e de educação ambiental numa perspectiva integradora. Trata-se de potencializar iniciativas a partir da premissa de que maior acesso à informação e transparência na gestão dos problemas ambientais urbanos, podem implicar uma reorganização de poder  e autoridade”.

                Isto, nos leva, à necessidade de pensar uma agenda para a sustentabilidade  ambiental urbana, que deve levar em conta a relevância de estimular a expansão  dos meios de  acesso a uma informação geralmente dispersa e de difícil compreensão, como parte de uma política de fortalecimento do papel dos diversos atores intervenientes que possam contribuir tanto tecnologicamente no diagnóstico dos problemas ambientais, bem como na busca de suas soluções.

                O  momento atual exige que a sociedade esteja mais envolvida, motivada e mobilizada para assumir um papel propositivo, assim como para poder questionar, de forma concreta, a falta de iniciativa dos governos para implantar políticas pautadas pelo binômio sustentabilidade e desenvolvimento, num contexto de crescentes dificuldades  para promover a inclusão social, bem como um desafio de construir coalizões de cidadãos capazes de criar as condições para assegurar uma qualidade de vida aceitável, traduzida na aplicação do conhecimento científico das tecnologias mais recentes ou mesmo em atitudes simples como, por exemplo,  deixar de andar um dia de carro,  por semana, como na operação rodízio, em São Paulo.

Essas reflexões, nos impõem a tarefa de como pensar a construção de uma sociedade da Boa Vontade, que em termos práticos e da realidade regional, possamos viver a lógica do desenvolvimento sustentável em Franca e Região, uma vez , que nosso propósito é o de sugerir elementos para viabilizarem a lógica da produção e desenvolvimento urbano, com qualidade  regional.


37 SEVILLA apud  GÓMEZ, W. H. Desenvolvimento sustentável, agricultura e capitalismo. Revista da Educação.  Unicamp, 1996.

38 BARONE, op. cit., pg 10, nota 2.

39 VON MISES, op. cit., p. 10.

40 HAYEK, F.A. op. cit., p. 10.

41 TAYLOR, F. m. op. cit. p. 10.

42 SEKIGUCHI, op. cit., p. 10, nota 1.

43 TRIGO, op. cit., p. 50.

44 WERNER apud GÓMEZ, W. H. Desenvolvimento sustentável, agricultura e capitalismo. Revista da Educação, Unicamp, 1996.

45 SACHS, 1986 apud GÓMEZ, W. H. Desenvolvimento sustentável, agricultura e capitalismo. Revista da Educação, Unicamp, 1996

46 TRIGO et all, apud  GÓMEZ, W. H. Desenvolvimento sustentável, agricultura e capitalismo. Revista da Educação,  Unicamp, 1996

 

47 WERNER apud GÓMEZ, W. H. Desenvolvimento sustentável, sgricultura e capitalismo. Revista da Educação,Unicamp, 1996

48 KAUSHY, apud GÓMEZ, W. H. Desenvolvimento sustentável, sgricultura e capitalismo. Revista da Educação,Unicamp, 1996

49 KANAANE, 1977 :  p. 45

50 GRINOVER, Lúcio. A qualidade de vida no espaço urbano. Debates  sócio-ambientais do Centro de Estudos Contemporânea. Ano II, n.4,  jun./jul./ago./set., São Paulo, 1996.

51  DOWBOR, Ladislau. A produção da qualidade de vida nas cidades. Debates  sócio-ambientais do Centro de Estudos Contemporânea. Ano II, n.4,  jun./jul./ago./set., São Paulo, 1996.

52 JACOBI, Pedro Roberto. Riscos ambientais e construção da cidadania. Debates  sócio-ambientais do Centro de Estudos Contemporânea. Ano II, n.4,  jun./jul./ago./set., São Paulo, 1996.

52 JACOBI, Pedro Roberto. Riscos ambientais e construção da cidadania. Debates  sócio-ambientais do Centro de Estudos Contemporânea. Ano II, n.4,  jun./jul./ago./set., São Paulo, 1996.

 

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